quarta-feira, 2 de maio de 2012

UM MORTO QUE LHE SORRI

Ao chegar na fazenda de Fred Samburá, o Poeta percebeu o peito feliz. Assim como em dias de chuva, a alegria ou a tristeza -em formatos de cores e cheiros- envolvia o Poeta por completo, desenhando um sorriso em seus lábios ainda ressecados pela farra com Espelho. E seguiu rumo ao reencontro com o amigo Samburá.

Ao longo do caminho, vindo de encontro ao Poeta, as mercenárias mulheres de preto choravam a alma de alguém. Parou em sinal de respeito, e esperou o cortejo passar. O caixão estava aberto.

O Poeta perguntou quem era o defunto a um garoto que seguia à parte do funeral:

- Quem era o velho?

- Seu Ribamar. Trabalhava aqui há pouco tempo, era muito religioso, estava doente da cabeça e morreu ontem. - respondeu o garoto alegre e excitado por acompanhar um funeral.

O Poeta notou o rosto cinza-amarelo e a expressão fechada dos mortos-tristes. Pensou na tristeza do morto quando em vida. Parou o carro, desceu e acompanhou o funeral.

O choro e as músicas melancólicas o fizeram chorar.

Logo em seguida, uma das mulheres de preto, provavelmente a chefe das carpideiras, disse-lhe bem perto do ouvido e apertando com força o braço esquerdo do Poeta.

- Pode chorar, mas não venha cobrar as suas lágrimas depois. Somos muitas e o dinheiro é pouco. Sem entender, o Poeta quis rir, e sorriu com os olhos. Olhou para o cadáver já esverdeado por causa do Sol.


Em meio aos curiosos, uma menina de sorriso lindo chamou a atenção do Poeta. Ela ria com outras garotas e faziam fuxicos em meio ao cortejo.

O mesmo garoto que foi abordado pelo Poeta, há poucos minutos, reapareceu.

- Garoto, quem é aquela menina do sorriso lindo? – perguntou o Poeta.

- Ah!, é minha prima. Seu nome é Ipsílon! - respondeu o garoto.

- Quê?

- 'Quê' não! Ipsílon...

- Sua prima se chama Ipsílon? - perguntou o Poeta mais descrente do que espantado.

- Sim, seu moço, e quem é o senhor?

- Sou amigo de Samburá. Venho passar uns dias aqui, e agora vou almoçar com ele, em sua casa. Onde poderei ver Ipsílon outra vez?

- À noite. Ela mora na casa do seu Samburá também, respondeu, e saiu.

Olhou, o Poeta, mais uma vez, para o morto. Notou que Ribamar era um cadáver verde-esbranquiçado que lhe sorria. Olhou para os lados, pensou em desmaiar. Voltou os olhos para Ribamar que lhe continuava rindo.

O troller do Poeta nunca seguiu um caminho mais rápido. E feliz. E admirado.

- Essa é boa! Ribamar é um morto que sorriu pra mim. - Pensou o Poeta ainda desacostumado com as surpresas da vida.

Um comentário:

  1. Gostei do texto, criativo e descontraído.O poeta ficou tão satisfeito com a possibilidade de ver novamente a Ipsilon que ate pode ver um sorriso vindo do morto.

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