quinta-feira, 22 de março de 2012

AS BOTAS DO POETA

Saiu descalço, o Poeta, do mar. Ali mesmo, no chão de areia, sentou-se.
Neste momento invejou os fumantes, e esperou o tempo passar. Depois de seco e salgado, calçou-se de mundo, deixando suas botas na areia.

Quem o viu sair por aí, podia apostar que seus caminhos eram incógnitos.
O Poeta sabia cada esquina que deveria passar.

Os cabelos errantes lhe faziam lembrar o último amor, de tão frio e tão duro.
As mãos, em cada bolso da calça, lembravam-no do amor atual: quente e macio, porém separados.

Olhou para o relógio. Viu as horas só por olhar. Entrou no bar de
conhecidos, que logo começaram a acenar. Falavam de muitos fatos e coisas.

- Amanhã será dia de loucura, eu sinto desde já. Visitarei a casa de
Samburá. Anotem as suas alegrias e tristezas em guardanapos já usados. Levarei
para ele, e as guardará como a carta de um pai ausente.
- Poeta, vai mesmo passar uns dias com o Samburá?
- Sim. Ele passou muitos dias conosco...
- Ora, ele estudava com a gente!
- Sim! Retifico: ele passou muitos anos conosco...
- Poeta, você esqueceu os sapatos?
- Não. Claro que não! Se os esquecesse seria louco, e vocês teriam a
autorização para fazerem a minha internação. Deixei-as, porque quis, no meio do caminho, na areia do mar, olhando para as ondas.

Risadaria em todos os seis cantos do bar: à esquerda e à direita, em
cima e em baixo, dentro e fora.

E o Poeta saiu. Deu um adeus tão pesaroso como quem dá um cheque que não
quer pagar. Mas ninguém notou. Os poetas mentem formidavel e elegantemente bem.

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